Publicado por CinePop, no dia 15/10/2025.
Quando o funk toca, ninguém fica parado. Essa máxima, que inclusive faz parte de algumas canções, é especialmente verdade no Brasil – e, mais especificamente, no Rio de Janeiro. Com base nos ritmos estrangeiros (majoritariamente o funk e o soul estadunidense, produzidos por artistas negros), o funk brasileiro foi se moldando até que, ali mais ou menos nos anos 1990, esse ritmo estourou em todas as rádios nacionais, levando o estilo carioca periférico para dentro das casas do Brasil. A trajetória desse ritmo irresistível foi retratada no documentário ‘Massa Funkeira’, que teve sua premiere aplaudidíssima no Festival do Rio 2025.
Com depoimentos de personalidades como Mc Carol, Tati Quebra Barraco, Valesca Popozuda, Kevin O’Chris, DJ Renan da Penha e outros tantos, o documentário de aproximadamente uma hora e meia percorre não só o ritmo, mas o território do funk. Ou seja, conscientemente a diretora Ana Rieper não só fala do funk de longe, ao contrário: ela entra nos territórios onde o ritmo nasceu, cresceu e se expandiu, retratando o funk por quem o faz, onde é feito.
Assim, a produção percorre diversos bailes de favela no Rio de Janeiro, abrindo com um de nome épico – Baile da Disney. Claro, nada tem a ver com a empresa do rato animado, mas essa abertura já dá o tom de como o funk se desenvolve no Errejota: com humor, com ironia, com metáforas e outras figuras de linguagem para dizer aquilo que precisava ser dito, mas não podia ser feito de maneira tão direta.
O roteiro de Juliana Lins e Ana Rieper percorre desde o conhecido funk melody, mais amorosos (e mostra quando mesmo nos “funks de antigamente” havia muita sacanagem, mas era tudo camuflado por recursos linguísticos, que a gente cantava sem nem entender o significado), aos funks atuais, que falam, digamos assim, da putaria explícita. E percorrendo os depoimentos, vemos tanto cantores a favor quanto contra às mudanças linguísticas nas letras do funk.
Mais do que isso, o roteiro também traça importante paralelo entre funk e sensualidade, funk e sexualidade – elementos que sempre estiveram ali, presentes, mas que talvez nunca tenham sido enxergados como consequência um do outro. Em ‘Massa Funkeira’ fica bastante claro como o ritmo liberta a libido não só de quem canta, mas de quem dança. Sexualidade, empoderamento e autoestima, elementos que consoam principalmente nas MCs e o público feminino, que encontrou no funk – na música e nos passinhos – uma forma de ser dona do próprio corpo, de ter controle e de fazer valer sua vontade.
Os melhores depoimentos, portanto, são das MCs, como por exemplo a naturalidade com que MC Carol conta como queria um namorado otário para ficar esperando por ela com tudo pronto enquanto ela ia pro baile cantar e realizar o sonho dela – e teria sido assim que ela compôs um dos maiores hits do gênero: “meu namorado é mó otário, ele lava minhas calcinhas”. Um clássico.
Passeando por bailes na CDD, na Penha, no Lins, no Centro e em tantos outros locais, ‘Massa Funkeira’ faz com que o bastão da narrativa seja passado lá e cá, no passado e no presente. Enquanto o Bonde do Tigrão ensaia seus passos e conta como conquistou o público, o entrevistado também demonstra zelo pelos próprios filhos, ensinando-lhes as técnicas de dança.
Extremamente bem-humorado e muito bem montado por Peterkino, ‘Massa Funkeira’ surpreende pelo excelente registro dessa música preta e periférica que tomou conta do país todo, ultrapassando barreiras sociais e econômicas. Com uma trilha sonora top, é impossível ver ‘Massa Funkeira’ parado.
Link da matéria:
https://cinepop.com.br/critica-massa-funkeira-documentario-mostra-como-o-funk-carioca-empoderou-uma-geracao-festival-do-rio-2025-698487/