Publicado por Correio da Manhã, no dia 24/10/2025
‘Sexa’, que marca a estreia da estrela de ‘Se Eu Fosse Você’ na direção de longas-metragens, firma-se como o ‘filme delicinha’ da maratona paulistana, candidatando-se ao sucesso
Lançado na abertura do Festival do Rio, “Sexa” chegou no fim de semana à 49ª Mostra de São Paulo de mansinho, sem alardear suas potências – e são muitas, sobretudo em seu roteiro, primoroso em relação a diálogos -, apoiada apenas no fato de marcar a estreia de Gloria Pires na direção de longas. É um fato, em si, atraente, sabendo-se que estamos falando de uma atriz que é um sintagma vivo de Brasil, capaz de falar com muitas classes sociais, quicando bem do melodrama à comédia, com saltos do drama realista, sempre com eficácia.
Trabalhou com titãs da direção (Nelson Pereira dos Santos entre eles), estrelou novelas que pararam nosso país e ajudou Daniel Filho a dar alma, coração e vida à neochanchada, 20 anos atrás, com “Se Eu Fosse Você”, um blockbuster que virou franquia – a parte três acaba de ser filmada por Anita Barbosa. Com esse tantão de proficiências, a passagem dela pelo posto de cineasta só poderia ser um evento. E é, mas ela entregou mais. Fez jus à ladainha do “cinema é a maior diversão”, mas, de quebra, faz a gente pensar… e sentir. Não à toa, seu primeiro longa como realizadora sai da maratona paulistana com o status de “filme delicinha”. É O “filme delicinha” do evento.
Escrito por Guilherme Gonzalez, com colaboração de Bianca Lenti e da própria Gloria, “Sexa” é uma crônica de costumes das boas, com clima “Sessão da Tarde” até quando propõe o balanço de angústias geracionais – em relação ao amor romântico e ao amor maternal – de mulheres na casa dos 60. A fotografia dionisíaca de Kika Cunha calça plasticamente o script com um colorido quente, sem extrapolar as CNTPs do gênero, sem dar uma de Almodóvar.
O bate-bola de frases do elenco é rico, mas há uma riqueza igualmente valiosa na direção de arte de Mônica Delfino que calça conversações, desabafos, transas e DRs que sempre mantêm o pé no chão, com atenção ao real, sem alienações. É mais “Malu Mulher” do que “Sex and the City”. Não há deslumbres, há alianças.
Tudo se desenha a partir do “sacode” que a vida dá em Bárbara, uma revisora de livros, fã da literatura de Clarice Lispector, que, ao chegar aos 60 anos, enfrenta uma série de mudanças bruscas. Gloria encara esse papel com o garbo de sempre. Torna crível (e universal) o engasgo da personagem diante das cobranças do filho músico esquerdo-macho e da vigília de um mundo que sucateia quem se agrisalha. Nas falas inesquecíveis, chama-se quem “sessentou” de integrante do “clã das cicatrizes”. Fala-se de rugas como “marcas de combate”, numa pensata de Rosamaria Murtinho, que esbanja sabedoria numa participação luxuosa.
A figura vivida por Rosamaria ajuda Bárbara a conjugar o verbo “amar” na desinência da leveza, diante de sua coqueluche frente ao técnico de Informática viúvo (porém 25 anos mais jovem) chamado Davi (um papel defendido com afinco por Thiago Martins). O boyzinho mexe com seu miocárdio, mas ela teme conflitos intergeracionais, teme abandonos (que não virão). Nessa trupe cheia de graça, destaque ainda uma Isabel Filardis faiscando de carisma em seu trabalho como Cristina, vizinha e amiga n.1 da protagonista. Outro show vem de Eri Johnson, como o pai pimpão de Davi. Esse povo todo encontra seu jeito de solar, mas também de dividir a bola com elegância, numa partida em que Gloria vence todo e qualquer marasmo das fórmulas da dramédia… e de goleada. Que ela filme mais… e depressa!
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